Há alguns anos, a Exame vem demonstrando uma constante queda na qualidade.
Mas não me lembro de ter visto uma reportagem tão ruim quanto esta:
O grifo (em negrito) na última frase é meu.
A vale quer ser verde
26.06.2008
A maior empresa privada do Brasil lança uma campanha com apelo ecológico — seu maior desafio será provar que sua preocupação vai além do marketing Por Malu GasparEm sua última campanha publicitária, que estreou no início de junho na TV, a Vale investiu na imagem de companhia sustentável, capaz de transformar minérios em sonhos e ainda fazer tudo isso respeitando o meio ambiente e as comunidades nos arredores de suas minas e instalações. A campanha faz parte de um colossal projeto de lançamento da nova marca da empresa, que, em novembro do ano passado, deixou de ser a Vale do Rio Doce para se chamar apenas Vale. Com orçamento de 59 milhões de reais, a estratégia de divulgação do novo nome aproveita para colocar a Vale na onda da “companhia verde”, a mais nova tendência entre as grandes empresas globais que querem agregar uma imagem positiva ao seu nome — seja ela uma mineradora, um banco ou uma companhia de celulose.
Essas corporações já perceberam que empresas amigas do planeta têm maiores chances de ganhar a simpatia dos consumidores e investidores — principalmente na Europa e nos Estados Unidos. “Há uma busca desenfreada por aparecer bonito na foto”, diz Alejandro Pinedo, da consultoria Interbrand, especializada em avaliação e construção de marcas. “O apelo à sustentabilidade passou a ser considerado um dos requisitos para tornar as empresas mais competitivas.”
Um relatório da consultoria Ernst&Young divulgado em abril passado, aponta pela primeira vez a preocupação ambiental dos consumidores e investidores — qualificada como radical greening — como um dos dez principais riscos para os negócios de uma empresa. Nenhuma companhia quer ver colado à sua imagem o atributo de destruidora da natureza — e isso é particularmente dramático no caso de corporações que atuam em setores que já têm uma imagem ruim por seu alto impacto ambiental, como é o caso da mineração. No caso específico da Vale, a situação é complexa.
Dois estudos recentes de bancos internacionais sobre sustentabilidade no setor de mineração colocaram a Vale em uma situação constrangedora. No primeiro, do Citigroup, a brasileira ficou em penúltimo lugar numa lista de 15 empresas. No segundo, da Goldman Sachs, a Vale foi a 14a entre 15 no ranking ambiental e a nona no ranking de investimentos sociais. Os bancos fazem esse tipo de relatório para orientar decisões de investimentos para clientes e instituições que levam em conta critérios de sustentabilidade na hora de aplicar seus recursos. Em maio passado, outro estudo, da Fundação Brasileira do Desenvolvimento Sustentável, fez uma comparação entre os relatórios de sustentabilidade divulgados em 2007 pelas cinco maiores mineradoras do mundo. O estudo avaliou 13 itens. A Vale ficou em último lugar entre nove.
A nova estratégia de marketing da Vale coincide com a expansão internacional da companhia. No ano passado, a empresa passou por seu primeiro teste de imagem global, meses depois do processo de aquisição da canadense Inco. O principal projeto da empresa era uma gigantesca mina de níquel na Nova Caledônia, uma ilha paradisíaca do oceano Pacífico, que enfrentava forte resistência dos aborígines que vivem próximo à área de extração. Ambientalistas europeus tomaram o partido dos aborígines e começaram a protestar contra a empresa. Preocupado com o impacto, o presidente da Vale, Roger Agnelli, se envolveu pessoalmente na solução da crise. Recentemente, a empresa anunciou que pararia de fornecer minério para os produtores de ferro-gusa acusados de usar trabalho escravo ou queimar carvão de madeira ilegal da Amazônia. Não queria correr o risco de passar pelo que passaram os produtores de soja de Mato Grosso, após uma campanha internacional deflagrada pelo Greenpeace em maio de 2006. A ONG organizou protestos em lanchonetes do McDonald’s na Europa acusando a rede de vender produtos contendo carne de frango alimentado com soja proveniente de áreas de desmatamento irregular na Amazônia. Imediatamente, a rede de fast food pressionou seus fornecedores internacionais para não comprar mais a soja brasileira proveniente dos arredores da floresta. A Vale nega que esteja reforçando suas políticas de sustentabilidade em decorrência do processo de internacionalização. “Sempre fomos preocupados com sustentabilidade. Apenas estamos investindo mais no processo de informação do que fazemos”, diz Orlando Lima, diretor de sustentabilidade da Vale.
O apelo da sustentabilidade Três grandes empresas que apostaram no meio ambiente para melhorar sua imagem McDonald’s
A rede foi acusada pelo Greenpeace de ser cúmplice da destruição da Amazônia por vender nuggets feito de carne de frango alimentado com soja plantada na floresta.Arede pressionou os fornecedores, que baniram a ração à base de soja da AmazôniaBritish Petroleum
Em uma estratégia preventiva, a petrolífera inglesa decidiu antecipar-se às cobranças dos consumidores e investiu 200 milhões de dólares para limpar sua imagem, apresentando-se como companhia de energia e não de petróleoGeneral Motors
A GM estuda abrir mão da linha de utilitários Hummer, um dos grandes sucessos de venda da empresa nos últimos anos. O carro tem péssima imagem entre os americanos politicamente corretos por consumir grande quantidade de combustívelAs iniciativas tomadas pela Vale nos últimos meses mostram que a empresa sabe que, pior do que não ter uma imagem de “companhia verde”, é ser acusada de que essa imagem é falsa. “Algumas empresas que nos pedem para construir uma imagem ‘verde’ no fundo não são tão verdes assim. Alertamos que o efeito de se forçar um vínculo que não existe pode ser um desastre”, diz Pinedo, da Interbrand. “A empresa precisa realmente ter comprometimento ambiental.” Um dos casos que ainda despertam muita desconfiança, por exemplo, é o da British Petroleum. A BP, que sempre esteve associada à poluição, investiu 200 milhões de dólares nos últimos anos para se transformar numa companhia preocupada com meio ambiente, com grande espaço para energias alternativas. Isso, no entanto, não foi suficiente para livrá-la das acusações de “greenwashing” (maquiagem verde). Ainda hoje, a BP é patrulhada pelos ambientalistas, como provam as recentes denúncias de que estaria envolvida em um pesado lobby contra o endurecimento das leis ambientais nos Estados Unidos. No caso da Vale, por enquanto, a estratégia de aparecer como uma “companhia verde” não enfrentou reveses. Mas só o tempo — e as ações que vierem com ele — dirão se a campanha é apenas uma estratégia de marketing ou uma preocupação concreta.
O artigo inteiro baseia-se em premissas equivocadas sobre a conceituação, mas esta frase final é a mais representativa: perceba, prezado leitor, que há apenas 2 opções apontadas ali, ambas referindo-se à campanha da Vale para associar sua imagem à "sustentabilidade".
Uma das opções é: trata-se de uma preocupação concreta.
A outra opção, em posição contrária, é: trata-se de uma estratégia de marketing.
Então, pode-se concluir que uma estratégia de marketing NÃO é uma preocupação concreta ?
Ou a repórter que escreveu (mal) o texto quer associar "estratégia de marketing" à tentativa de fazer propaganda (e pior: ENGANOSA!) ????
O subtítulo da matéria ("seu maior desafio será provar que sua preocupação vai além do marketing") também induz o leitor a seguir a mesma linha de raciocínio....
A repórter que assina a matéria (Malu Gaspar) precisa, URGENTEMENTE, estudar. Ficam algumas sugestões de livros que poderiam salvá-la do mico (um gorila, na verdade) de confundir "marketing" com "propaganda enganosa": aqui, aqui, aqui e aqui.
Ok, reconheçamos que não é a primeira (nem última) vez que alguém confunde "marketing" com "propaganda". Eu mesmo já citei alguns exemplos aqui no blog, dentre os quais destaco este aqui.
Contudo, uma revista de negócios, com a tradição da Exame, deve ser muito mais cautelosa com relação a este tipo de erro....
Especialmente porque muita gente que lê um texto desses, se não tem muito senso crítico ou mesmo se não conhece um pouco mais sobre o assunto pode acabar formando uma impressão errada.
Lembro de uma vez, numa aula, quando uma aluna me questionou, tendo por base uma matéria da Exame que tratava de uma sandália que usa o nome da Gisele Bündchen (nem lembro mais qual o modelo). Isso foi no ano passado. Minha aluna cometeu um erro muito singelo e inocente: acreditou numa afirmação de uma matéria da Exame....
Por essas e outras, eu sempre incentivo meus alunos a lerem qualquer coisa (desde rótulo de papel higiênico a livros) com base em SENSO CRÍTICO. Preciso ajudá-los a não serem ludibriados por repórteres mal-informados ou mal-intencionados.....