31 de maio de 2008

GRADIENTE: erros fatais

Em janeiro deste ano, tratei da situação da Gradiente (aqui).

Depois disso, em março, a Revista Exame publicou uma matéria sobre a empresa (aqui, para assinantes).
Algumas das informações/afirmações da matéria da Exame eu destaco a seguir:

Após meses de declínio, cinco pedidos de falência foram feitos na Justiça por fornecedores. Todos alegam falta de pagamento. A quase impagável dívida da empresa supera os 300 milhões de reais, e a periclitante situação financeira contaminou as vendas. Hoje é praticamente impossível encontrar produtos da marca nas lojas. As fábricas pararam. As oficinas de assistência técnica informam aos consumidores que não consertam mais aparelhos defeituosos por absoluta falta de peças de reposição.

Segundo EXAME apurou, o faturamento da Gradiente caiu 70% no ano passado, e o prejuízo deve superar os 116 milhões de reais de 2006.

(...) Mais impressionante que a atual situação da Gradiente, porém, é o contraste com o sucesso da empresa há pouco mais de uma década. A Gradiente era um dos líderes no mercado de equipamentos de som e vice-líder na venda de televisores. Até o ano 2000, tinha uma bem-sucedida parceria com a finlandesa Nokia para a produção de celulares. O negócio era tão bom que os finlandeses fizeram a Staub uma oferta considerada excelente até mesmo por seus desafetos. Ele vendeu sua metade na fábrica de celulares por 1,2 bilhão de reais. Com essa montanha de dinheiro em caixa, a Gradiente poderia ter decolado. Não foi o que aconteceu.

Desde então, a companhia obteve uma incrível série de resultados negativos. Está há mais de dez anos sem registrar lucro operacional. Sua participação de mercado veio minguando até atingir zero no início do ano. Suas ações sofreram desvalorização de 70% nos últimos 12 meses. E o que já foi uma espécie de ícone da indústria nacional se tornou peça irrelevante no mercado brasileiro de eletroeletrônicos.

(...) O estado atual da Gradiente é conseqüência de uma série de erros, muitos deles cometidos há mais de dez anos e de forma atávica. O maior deles, dizem os especialistas, foi a decisão de não buscar associação com uma grande empresa multinacional. Staub insistiu na tese de que o melhor para a Gradiente seria usar a força de sua marca para fazer parcerias com diversos fornecedores e, a cada momento, buscar o que havia de melhor no mercado. Isso, argumentava Staub, daria à Gradiente a agilidade necessária para sobreviver num segmento em constante mutação.

Consultores, analistas e executivos ouvidos por EXAME foram unânimes em afirmar que a falta de um parceiro de peso foi determinante para a queda da Gradiente. A empresa reinou na época em que a economia do país era fechada para produtos importados.

Com a abertura, passou a ter de competir com itens de alta tecnologia de empresas como Philips, LG e Samsung, que se renovam num ritmo frenético. A Philips investiu mais de 4 bilhões de reais no ano passado em pesquisa e desenvolvimento, ou dez vezes o faturamento da Gradiente no período. Em sentido oposto, a Semp, da família Hennel, fez uma associação definitiva com a japonesa Toshiba. Com a constante transferência de tecnologia, a Semp Toshiba se manteve viva.

A matéria, em suma, indica 4 "principais erros" da empresa, quais sejam:
1) Falta de parceiro estrangeiro para transferência de tecnologia - um fator apontado pela Exame como "fatal" em vista das características do mercado competitivo e intensivo em tecnologia e inovações constantes;
2) Inconsistência na estratégia - a empresa entrou e saiu de muitos mercados, sem ter tido a "paciência" de aguardar para colher resultados;
3) Ambição exagerada ;
4) Gestão ultrapassada - o presidente da empresa teria sido inflexível, e relutado em abrir mão do poder dentro da empresa, criando espaço para a entrada de gestores mais dinâmicos, profissionais (tudo segundo a matéria da Exame).

A inconsistência na estratégia (na escolha e no manutenção dela) é um problema sério, e bastante comum. Esta questão, aliás, tem relação direta com a questão da "falta de parceiros" comerciais: a joint-venture que a Gradiente fez com a Nokia foi um excelente negócio para ambas - a Gradiente conseguiu acesso a tecnologias que não tinha, e a Nokia ganhou canais de distribuição já consolidados, além de contar com todo o know-how que a Gradiente já detinha do Brasil.

Contudo, não sei até que ponto a Exame está certa ao apontar a falta de parceiros como causa dos problemas da Gradiente.... Afinal, depois do término da parceria com a Nokia, a empresa firmou uma aliança com a Société d'Applications Générales de l'Electricité et de la Mécanique (SAGEM) e, em 2004, a Gradiente buscou outra aliança, desta feita com a Cellon International Holding Corporation, especializada no desenvolvimento de tecnologias de comunicação sem fio.
Assim, dizer que a Gradiente não buscou ou tentou firmar parcerias, não me parece adequado. Pode ser que as alianças não tenham surtido o resultado esperado (ou mesmo resultados tão bons quanto aqueles oriundos da joint-venture com a Nokia), mas daí a dizer que não houve interesse em buscar parcerias.......

Em 04/09/2007, o Valor Econômico noticiou: uma joint venture com empresas chinesas. É esta a carta que Eugênio Staub, que completará 66 anos em outubro, pretende sacar da manga para tirar a Gradiente de uma das suas piores crises financeiras. Ao anunciar ontem o seu afastamento da presidência executiva da companhia, Staub afirmou que está negociando com empresas chineses e de outros países da Ásia a formação de uma sociedade.

A matéria, na íntegra, está aqui.
Me parece mais um forte indício de que não faltou o interesse, a busca por um parceiro comercial relevante. Pode-se concluir, desta soma de indícios, que o que faltou foi mesmo alguma outra coisa.

Pode ser a falta de uma estratégia claramente definida.
Neste ponto, tendo a concordar com a matéria da Exame.
Este erro está longe de ser "exclusividade" da Gradiente - muito pelo contrário: são tantas as empresas que acham que devem mudar sua estratégia mensalmente, que fico assustado.

Sugiro, sobre esta questão, leituras que me interessaram na edição de Novembro/Dezembro de 2007 na HSM-Management.
A revista contrapôs 2 artigos que tratavam da mudança nas estratégias: Michael Porter afirmava que a estratégia NÃO deve mudar; George Yip e Gerry Johnson argumentavam exatamente o oposto.
O acesso para assinantes a ambos os textos é feito aqui (artigo do Porter) e aqui (Yip e Johnson).

Além disso, acho interessante registrar notícia do Valor Econômico de 15/05 sobre a empresa (na íntegra aqui):
O empresário Eugênio Staub vai voltar a presidir a Gradiente. De acordo com comunicado divulgado ontem à noite, Nelson Bastos deixa o cargo de diretor-presidente e será substituído por Staub. (...) Sócio da Íntegra Associados, Bastos está na Gradiente desde 1965, tendo participado de sua fundação. Ele traz no currículo as reestruturações da Parmalat e da varejista Clube Chocolate e assumiu a presidência executiva da Gradiente em setembro de 2007, em substituição ao próprio Staub, que permaneceu como presidente do Conselho. A missão de Bastos era encontrar possíveis sócios para empresa e renegociar a dívida com os credores.

(...) A empresa não divulga resultados desde 2006 e informou ontem que a aprovação das contas de 2007 ainda não ocorreu. E prometeu à Bovespa entregar os demonstrativos de resultados de todo o ano passado até 20 de junho. Calcula-se, porém, que suas dívidas cheguem a mais de R$ 300 milhões. Sua ações se valorizaram na semana passada, na expectativa de que o BNDES socorra a empresa ou que seja possível a entrada de um sócio estrangeiro. Hoje, contudo, os papéis ordinários (ON, com direito a voto) fecharam em queda de 4,61%, a R$ 3,10. Mas acumulam ainda alta de 16% em maio por conta da expectativa de um acordo com os credores ou uma possível ajuda do BNDES.

A Gradiente informou também que em 1º de abril foi definida a nomeação de Richard Jesse Staub como diretor de Relações com Investidores, cargo que antes era ocupado por Eugênio Emílio Staub Filho. No comunicado, Eugênio Staub afirma que assumirá a presidência temporariamente, até que a empresa volte a ter uma situação financeira estável.

Talvez ter apoiado a campanha do Lulla, em 2002, não tenha sido o mais grave (e burro) erro de Eugênio Staub afinal....
Mas até quando a empresa (e seus acionistas, funcionários, fornecedores, clientes) terão que suportar esta sucessão de erros ?!

2 comentários:

Unknown disse...

trabalhei 13 anos na empresa pedi demissão e até hoje não recebi,quem não tem copetencia tem que sair do mercado.

Unknown disse...

Valdir,
A princípio, concordo contigo: quem não tem competência, que saia do mercado mesmo.
Mas pessoalmente tenho "pena" do caso da Gradiente - a despeito de nunca ter sido cliente fiel (pois nunca gostei dos produtos), era uma empresa que eu admirava.
Uma empresa brasileira "brigando" com gigantes multinacionais num mercado importante.

Porém, ela acabou deste jeito que estamos vendo......