26 de março de 2008

Classe dominante

Ultimamente, tenho guardado alguns cadernos de economia do jornal para discutir em sala, com a minha turma de marketing estratégico. Ambiente de marketing, notícias setoriais etc.
E tenho percebido, com isso, que está cada vez mais freqüente a publicação de matérias que tratam do aumento do consumo das classes C, D e E.

Uma extensa matéria da Revista Consumidor Moderno (na íntegra aqui) trata dessa questão. Alguns trechos relevantes:

O relatório Winning over the Next Billion Consumers in Brazil – A Guide for Growth, da consultoria de estratégia e gestão The Boston Consulting Group, aponta que 34 milhões de domicílios brasileiros estão próximos da viabilidade econômica e ávidos por consumir. Porém, enquanto grande parte dos varejistas e fabricantes de bens de consumo concentra seus esforços de marketing no topo da pirâmide do mercado brasileiro, esses consumidores ainda não foram descobertos. Alvos em potencial, não se colocam voluntariamente à margem do mercado, mas encontram-se fora dele em função da ausência de modelos de negócios apropriados para servi-los.

Os next billion consumers, como foram batizados pelo BCG, são um grupo distinto de consumidores de baixa renda que pode ser encontrado no Brasil, África, China, Índia e na Europa Central e Oriental. Se fossem uma nação, seriam o décimo PIB do mundo. Situados abaixo do radar da maioria dos modelos de negócios, os next billions respondem por um terço da renda do País, ao mesmo tempo em que são responsáveis por quase metade dos seus gastos totais – mais de US$ 100 bilhões por ano. É uma boa oportunidade: os next billions brasileiros são jovens e possuem cerca de 40 anos de consumo pela frente. Apesar de estarem ansiosos por consumir produtos e serviços, não chamam a atenção de empresas, que enxergam o mundo de acordo com modelos de negócios convencionais. Segundo o The Boston Consulting Group, o mercado possui um grande e rentável filão, mas, para conquistá-lo, as empresas devem entender as necessidades dos next billions e desenvolver novos e criativos modelos de negócios para servi-los.

Os next billions representam a faixa da população que está entre o topo da classe E (domicílios com renda mensal abaixo de um salário mínimo), a classe D (um a dois mínimos) e a base da classe C (dois a cinco mínimos). Ou seja, possuem rendas mensais entre US$ 100 e US$ 700.

Esse número de consumidores cresce a um ritmo maior que a população total do Brasil. Quase metade está situada longe de favelas, em lugares onde suas famílias estão expostas às influências de marcas e produtos. Quase dois terços dos next billions são casados e seus núcleos possuem quatro membros em média, dos quais pelo menos dois contribuem com a renda familiar.

O BCG identificou os quatro aspectos principais pelos quais os next billions se diferem de outros segmentos:


1) Convivem com flutuação de renda
– O baixo rendimento não é o maior limite para os gastos dos next billions. Mais da metade desses domicílios poupam parte de suas rendas e quase todos abrem mão de certos gastos para comprar as coisas que desejam. Uma família gasta 39% de sua renda com alimentação, 23% com moradia, 6% com transporte e 4% com produtos de cuidados pessoais. Isso deixa 28% para gastos eventuais, o que normalmente representa 10% para serviços financeiros, 5% para telecomunicações e 13% para despesas supérfluas.
Mais de 80% dos next billions brasileiros recebem salário em dinheiro vivo. A grande maioria junta sua renda com a de outros membros da família, e as decisões sobre importantes aquisições são feitas em grupo. Seis em cada dez não possuem emprego formal, e a renda pode variar significativamente de um mês para outro. Por isso, freqüentemente optam por produtos mais baratos ou adquirem crédito, o ponto central na movimentação econômica dos next billions.
Praticamente todos os gastos com serviços financeiros (US$ 14 bilhões por ano) estão relacionados aos pagamentos de crédito. Aproximadamente metade das aquisições de crédito tem como finalidade vestuário e eletrodomésticos.
Se esses consumidores tiverem alguma dificuldade em consegui-lo, 40% contam com a ajuda de um membro da família ou um amigo.
Por causa da flutuação nos rendimentos mensais, os next billions são avessos a grandes entradas. Para não comprometer os rendimentos, preferem financiar produtos caros com parcelas pequenas durante um longo período. Os resultados da pesquisa do BCG indicam que, quanto mais caro for o produto, mais a decisão de compra vai depender das condições de financiamento.

2) Começam a ascender socialmente – Apesar dos obstáculos, os next billions brasileiros são determinados a melhorar suas vidas e tomar as rédeas do próprio futuro. Mais de 40% dos entrevistados disseram que vão ampliar a poupança no próximo ano, e mais de 25% pretendem gastar mais. As mulheres são fundamentais para alcançar esses objetivos. Quase metade delas incrementa a renda familiar trabalhando fora de casa. Essas mulheres também têm grandes ambições com relação aos filhos, que, por conseqüência, recebem melhor educação escolar que os pais.
Apesar de 72% dos next billions não possuírem o ensino médio completo, reconhecem a importância da educação.
Quase todos os next billions brasileiros possuem um aparelho de televisão, o que propicia o aumento da consciência sobre produtos e marcas. A maioria possui fogão, muitos têm geladeira e DVD player, e grande parte poupa para comprar uma máquina de lavar roupa. Muitos planejam comprar um computador, o bem mais desejado depois da casa própria e do carro.
Estão dispostos a mudar de padrão de vida, especialmente em relação aos bens duráveis de alto valor, porque querem ter certeza de que estão adquirindo um produto de qualidade.

Os next billions levam em consideração até os centavos. Mas isso não significa que sempre optam pelo preço mais em conta. Em vez disso, podem gastar meses pesquisando, para analisar minuciosamente os benefícios funcionais, técnicos e emocionais de um produto. Procuram o melhor possível dentro do que seus orçamentos permitem e não se contentam com versões simplificadas, se isso acarretar queda de qualidade.
Justamente por não poderem correr o rico de um erro, os next billions optam por marcas confiáveis e de durabilidade comprovada. Também preferem produtos que ofereçam políticas de garantia e contratos de serviços nos quais realmente possam confiar. A falta de garantia é a grande razão para não adquirir produtos usados, mesmo que estejam sendo oferecidos por um preço bem menor.

3) Procuram orientação ao adquirir um produto – A propaganda pode ajudar a ampliar a consciência sobre um produto, mas raramente trata de todas as barreiras de compra. De fato, os next billions não consideram a aquisição de um produto não familiar se a campanha não explicar seus benefícios de maneira clara.
Os brasileiros procuram a opinião e o aconselhamento de amigos ou familiares em 20% das decisões de compra. E, quanto mais caro o produto, mais os consumidores se preocupam em confirmar sua qualidade.Os varejistas também podem ser grandes influenciadores nas decisões de compra. Quase 60% disseram que um vendedor já os ajudou a concluir um negócio.
Os next billions precisam compreender também as instruções de uso de um produto. Embora vários fabricantes de eletrônicos optem por manuais de instruções cada vez mais finos e sucintos, o mercado para os next billions precisa considerar a elaboração de documentos detalhados e ilustrados.

4) Preferem o que é familiar
– Os next billions confiam nas marcas que conhecem bem. Dos consumidores entrevistados, 16% preferem os hipermercados: evitam o formato self-service, por considerá-lo intimidador. Quando rendas inconstantes fazem necessária a opção por produtos mais baratos, não vale a pena deslocar-se até um supermercado distante, mesmo que o preço seja menor, e especialmente se a loja não passar uma sensação acolhedora. Outra vantagem da compra em lojas de bairro é que a vizinhança conhece de perto seus consumidores, e o comércio sempre oferece crédito em caso de necessidade. Essas lojas também oferecem comestíveis e outros itens em embalagens menores.

Em suma, as conclusões indicam que os profissionais de marketing devem manter-se atentos a estes novos padrões de consumo - se bem que não são tão "novos" assim.....
O próprio BCG tem diversas publicações neste sentido: aqui, aqui, aqui e aqui.

Este relatório mais recente, de 2008 (que a reportagem cita), pode ser copiado diretamente aqui.

Empresas que tradicionalmente visam este público têm mais chances de aproveitar o momento, como o Wal-Mart:
A rede Todo Dia, bandeira de supermercados voltada para as classes D e E do Wal-Mart no Brasil, ganhará uma atenção especial e se expandirá num ritmo mais acelerado do que os demais negócios da multinacional no país nos próximos anos. "No futuro, o Todo Dia dever ter um peso nos negócios proporcional ao do Bodega no México", disse ontem o cubano Hector Núñez, que assumiu em janeiro a presidência da filial brasileira. A matéria completa, do Valor Econômico, está aqui.

E, para quem busca mais dados sobre o crescimento das classes C, D e E, vale a pena ler isso:
Segundo a consultoria Data Popular, as classes C, D e E já respondem por metade do consumo nacional, já que sua renda é destinada integralmente aos gastos familiares. Sozinha, a classe C é responsável por 30% do consumo. Há cinco anos, a participação das três classes sociais era de 48%.
"A classe C foi a que registrou maior expansão da renda," diz o demógrafo Haroldo Torres, diretor da Data Popular. Entre 2002 e 2007, ela teve um acréscimo de renda de R$ 79,5 bilhões. Nas classes D e E, esse ganho foi de R$ 38,7 bilhões.
Os critérios de classe adotados pela Data Popular são os mesmos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que levam em conta a faixa salarial. Entretanto os pesquisadores da consultoria ajustaram os dados de renda até julho de 2007 porque, no período considerado, o salário subiu acima da inflação.
Apesar das potencialidades, as grandes empresas resistem à baixa renda. André Torreta, diretor da A Ponte, empresa que faz pesquisa de mercado na baixa renda, considera que o preconceito é a maior barreira.
"Muitas companhias temem destruir sua marca ao vender um produto das classes A e B para a classe C", afirma Torreta. "Mas elas sabem que serão forçadas a entrar nesse ramo."
A Folha apurou que há empresas enfrentando crises internas. A líder no segmento de beleza estaria diante de um dilema: seus produtos, destinados para as classes A e B, invadiram os lares de baixa renda há dois anos. Sem uma estratégia de marketing e propaganda adequada para esse público, ela acabou perdendo terreno para a sua principal concorrente, que ajustou sua operação de venda, conquistando os clientes de menor poder aquisitivo.
A matéria completa, da Folha de São Paulo, está aqui (apenas para assinantes). A matéria fala de uma alteração na estratégia da Nestlé para atingir este público.

Um EXCELENTE texto, muito informativo.

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