6 de julho de 2008

Sustentabilidade do etanol brasileiro

Para aqueles xiitas e desesperados sem causa que tanto elogiam a "sustentabilidade" do etanol, apontando este combustível como o "futuro" para o tão criticado petróleo (e derivados), uma leitura auspiciosa para um domingo frio e nublado:

Arbitragem no Consecana

PARA UM LEIGO que viaja pelo interior entre canaviais intermináveis, ficam duas impressões: uma, a de que toda cana é igual; outra, a de que tudo pertence aos usineiros. Dois enganos. Em primeiro lugar, o canavial é fruto de décadas de pesquisa e experimentação. As centenas de variedades cultivadas são filhas de duas originais, uma fibrosa e outra rica em açúcar, cujos cruzamentos buscaram plantas fortes e produtivas, resistentes a pragas e a doenças, e com diferentes períodos de maturação, para que a safra fosse mais longa, de maneira a gerar trabalho durante tempo maior.
As variedades têm diferentes características, embora parecidas aos olhos não treinados. Mas basta prestar atenção para perceber diferenças nas cores das folhas, sua largura e seu comprimento, nas cores e no diâmetro dos colmos, que também dependem da idade da planta e do corte que será dado.
A variação é enorme.

Mas é no segundo ponto que o engano é mais grave, porque pressupõe uma única economia no setor, e isso não acontece. Existe uma figura menor nessa importante cadeia produtiva, que é o "fornecedor de cana". É o agricultor que planta cana para vender à usina de açúcar ou de álcool. Trata-se de um produtor tão característico, que é chamado formalmente de "fornecedor" -e não de plantador.

Sua marca registrada é dada pela inexistência de um mercado de cana. Essa matéria-prima do álcool é tão barata que a renda dos fornecedores depende da distância que sua área tem da usina. Acima de certa distância, a atividade é antieconômica. Isso significa que o fornecedor só pode vender sua cana para "aquela" usina da qual está viavelmente distante, o que cria uma relação específica e de dependência do agricultor em relação ao usineiro. Tão específica, que o verbo para o comércio da cana não é "vender': é "entregar" o produto à usina. Isso foi percebido pelo grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que, nos anos 40 do século passado, escreveu o "Estatuto da Lavoura Canavieira".

Para preservar o fornecedor, a lei obrigava cada usina a "moer" pelo menos 50% de cana de fornecedores. Ademais, havia um órgão oficial, o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), que controlava essa regra, atribuindo cotas de fornecimento a cada produtor, bem como cotas de produção de açúcar e de álcool a cada unidade industrial. Os preços eram determinados pelo IAA, de modo que o equilíbrio era mantido no setor.

Tudo isso acabou quando o Plano Collor extinguiu o IAA. De lá para cá, foi criado um belo sistema para decidir as questões ligadas ao preço da cana, chamado Consecana. Esse instrumento inteiramente privado permite aos usineiros e aos fornecedores buscarem uma remuneração adequada à matéria-prima com base nos preços do açúcar e do álcool. Mas os atuais preços baixos desses produtos não permitem bom preço à cana.

No entanto o que se observa é que quase todos os grupos industriais do setor sucroalcooleiro estão construindo novas usinas, inclusive usando empréstimos bancários. Enquanto isso, o fornecedor está quebrando devido aos preços da cana estarem abaixo dos custos de produção desde o ano passado. Falta alguma coisa para reequilibrar essa situação. Talvez uma arbitragem eficiente no Consecana, sem intervenção do governo, porque não é natural que um elo diminua enquanto o outro cresça, dentro da mesma cadeia produtiva.

ROBERTO RODRIGUES , 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula).
Este texto ajuda a demonstrar aonde quero chegar, inclusive com a aposta que fiz no post anterior (aqui embaixo) - aposto um ano de fornecimento de Coca-Cola com qualquer pessoa que conseguir provar que os brasileiros se recusam a abastecer seus carros flex com álcool que tenha sido produzido por alguma usina que adota trabalho escravo nos canaviais.

Alguém se prontifica a aceitar a aposta ?
Alguém vai comprovar que os consumidores estão preocupados com a sustentabilidade, a responsabilidade social e a ética, quando falamos do álcool que abastece os carros flex vendidos no Brasil ?

0 comentários: