Para aqueles xiitas e desesperados sem causa que tanto elogiam a "sustentabilidade" do etanol, apontando este combustível como o "futuro" para o tão criticado petróleo (e derivados), uma leitura auspiciosa para um domingo frio e nublado:
Arbitragem no ConsecanaEste texto ajuda a demonstrar aonde quero chegar, inclusive com a aposta que fiz no post anterior (aqui embaixo) - aposto um ano de fornecimento de Coca-Cola com qualquer pessoa que conseguir provar que os brasileiros se recusam a abastecer seus carros flex com álcool que tenha sido produzido por alguma usina que adota trabalho escravo nos canaviais.
PARA UM LEIGO que viaja pelo interior entre canaviais intermináveis, ficam duas impressões: uma, a de que toda cana é igual; outra, a de que tudo pertence aos usineiros. Dois enganos. Em primeiro lugar, o canavial é fruto de décadas de pesquisa e experimentação. As centenas de variedades cultivadas são filhas de duas originais, uma fibrosa e outra rica em açúcar, cujos cruzamentos buscaram plantas fortes e produtivas, resistentes a pragas e a doenças, e com diferentes períodos de maturação, para que a safra fosse mais longa, de maneira a gerar trabalho durante tempo maior.
As variedades têm diferentes características, embora parecidas aos olhos não treinados. Mas basta prestar atenção para perceber diferenças nas cores das folhas, sua largura e seu comprimento, nas cores e no diâmetro dos colmos, que também dependem da idade da planta e do corte que será dado.
A variação é enorme.
Mas é no segundo ponto que o engano é mais grave, porque pressupõe uma única economia no setor, e isso não acontece. Existe uma figura menor nessa importante cadeia produtiva, que é o "fornecedor de cana". É o agricultor que planta cana para vender à usina de açúcar ou de álcool. Trata-se de um produtor tão característico, que é chamado formalmente de "fornecedor" -e não de plantador.
Sua marca registrada é dada pela inexistência de um mercado de cana. Essa matéria-prima do álcool é tão barata que a renda dos fornecedores depende da distância que sua área tem da usina. Acima de certa distância, a atividade é antieconômica. Isso significa que o fornecedor só pode vender sua cana para "aquela" usina da qual está viavelmente distante, o que cria uma relação específica e de dependência do agricultor em relação ao usineiro. Tão específica, que o verbo para o comércio da cana não é "vender': é "entregar" o produto à usina. Isso foi percebido pelo grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que, nos anos 40 do século passado, escreveu o "Estatuto da Lavoura Canavieira".
Para preservar o fornecedor, a lei obrigava cada usina a "moer" pelo menos 50% de cana de fornecedores. Ademais, havia um órgão oficial, o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), que controlava essa regra, atribuindo cotas de fornecimento a cada produtor, bem como cotas de produção de açúcar e de álcool a cada unidade industrial. Os preços eram determinados pelo IAA, de modo que o equilíbrio era mantido no setor.
Tudo isso acabou quando o Plano Collor extinguiu o IAA. De lá para cá, foi criado um belo sistema para decidir as questões ligadas ao preço da cana, chamado Consecana. Esse instrumento inteiramente privado permite aos usineiros e aos fornecedores buscarem uma remuneração adequada à matéria-prima com base nos preços do açúcar e do álcool. Mas os atuais preços baixos desses produtos não permitem bom preço à cana.
No entanto o que se observa é que quase todos os grupos industriais do setor sucroalcooleiro estão construindo novas usinas, inclusive usando empréstimos bancários. Enquanto isso, o fornecedor está quebrando devido aos preços da cana estarem abaixo dos custos de produção desde o ano passado. Falta alguma coisa para reequilibrar essa situação. Talvez uma arbitragem eficiente no Consecana, sem intervenção do governo, porque não é natural que um elo diminua enquanto o outro cresça, dentro da mesma cadeia produtiva.
ROBERTO RODRIGUES , 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula).
Alguém se prontifica a aceitar a aposta ?
Alguém vai comprovar que os consumidores estão preocupados com a sustentabilidade, a responsabilidade social e a ética, quando falamos do álcool que abastece os carros flex vendidos no Brasil ?
0 comentários:
Postar um comentário