Já começo transcrevendo um artigo publicado no Valor Econômico de 12/05/2008; eu comento depois.
Até que ponto vale a pena ser uma empresa éticaAcho ótimo que esta discussão comece a tomar corpo. Afinal, até o presente momento, o que tem sido achado facilmente é um punhado de afirmações de que o consumidor valoriza a responsabilidade social e ambiental, mas ninguém se deu ao trabalho, ainda, de comprovar tais afirmações.
Remi Trudel e June Cotte, Especial para The Wall Street Journal
Responsabilidade social se tornou um grande negócio para as empresas. Elas gastam bilhões de dólares fazendo bons trabalhos - vale tudo, desde promover a diversidade nos seus quadros até desenvolver tecnologias amigas do meio ambiente - e então trombeteiam esses esforços para o público. Mas qual o retorno desse esforço?
Muitas empresas esperam que os consumidores paguem um adicional por produtos desenvolvidos a partir de padrões éticos mais elevados. A maioria adere à moda sem mesmo questionar esse pressuposto ou levantar outras questões cruciais. Será que os consumidores irão recompensar empresas que agem bem, pagando mais pelos seus produtos - e será que eles punirão o comportamento irresponsável, pagando menos? Se a resposta for sim, quanto? E quão longe deve uma empresa ir para conquistar o consumidor?
Para descobrir as respostas, nós conduzimos uma série de experimentos. Mostramos os mesmos produtos para os consumidores - café e camisetas -, mas contamos a apenas um grupo que os itens foram feitos utilizando alto padrão ético e ao outro grupo contamos que os itens tinham sido feitos utilizando baixos padrões éticos. Um grupo de controle não teve acesso a nenhuma informação.
Em todos os nossos testes, os consumidores estavam dispostos a pagar um pouco a mais por produtos eticamente manufaturados. Mas eles foram muito mais longe na direção contrária. Eles comprariam produtos manufaturados a partir de práticas antiéticas somente por um grande desconto.
A atitude do consumidor teve grande importância na formatação dos resultados. Pessoas com alto padrão ético recompensaram as companhias éticas pagando um elevado adicional pelos produtos e puniram as companhias antiéticas, aceitando comprar seus produtos por desconto ainda maior.
Finalmente, descobrimos que as empresas não necessariamente precisam ir muito longe com a responsabilidade social para conquistar consumidores. Se uma empresa investe, mesmo que em grau reduzido, na ética de sua produção, os compradores irão recompensá-la tanto quanto irão recompensar uma empresa que vai muito mais longe nos seus esforços.
Para nossos propósitos, produtos "manufaturados eticamente" são aqueles desenvolvidos sob três condições. Primeiro, a empresa precisa ter relações avançadas com os seus detentores de interesse, isto é, com as pessoas e entidades afetadas por sua operação. Por exemplo, a empresa precisa ter um compromisso com a diversidade quando contrata e com a segurança do consumidor. Segundo, ela precisa se reconhecida por adotar práticas progressivas em relação ao meio ambiente, como utilizar tecnologia amiga do ambiente. Finalmente, a empresa deve ser reconhecida por respeitar os direitos humanos - sem trabalho infantil ou escravo em suas fábricas no exterior, por exemplo.
Agora um aviso: ainda que nós acreditemos que a produção ética possa levar a mais vendas, nem todos os consumidores serão seduzidos pelo esforço. Alguns podem optar pelo preço mais baixo mesmo sabendo que o produto é feito a partir de práticas antiéticas.
Nosso primeiro experimento fez duas perguntas. Quanto a mais as pessoas pagarão por produtos eticamente produzidos? E quanto a menos elas estão dispostas a gastar por um produto que acreditam ser antiético?
Para testar essas perguntas, reunimos aleatoriamente 97 adultos consumidores de café e perguntamos a eles quanto pagariam por 1 libra, ou 454 gramas, de café de uma certa companhia. Nós utilizamos uma marca que não é comercializada nos EUA, de forma que nenhum dos participantes estivesse familiarizado com o produto.
Antes de as pessoas responderem, pedimos a elas que lessem algumas informações sobre os padrões de produção adotados pela companhia. Um grupo teve acesso a informação positiva e outro a informação negativa; o grupo de controle teve acesso a informação neutra, parecido com o que os compradores normalmente teriam em um supermercado.
Depois de ler sobre a empresa e o café produzido por ela, as pessoas nos contaram o preço que estariam dispostas a pagar, segundo uma escala de 11 pontos, de US$ 5 a US$ 15. O resultado? O preço médio para o grupo ético (US$ 9,71 por 454 gramas) foi significativamente maior do que o obtido pelo grupo de controle (US$ 8,31) ou pelo grupo antiético (US$ 5,89).
Se a sua empresa agir de maneira socialmente responsável, e anunciar isso, você pode cobrar mais pelo seu produto
Enquanto isso, como os números mostram, o grupo antiético se propôs a pagar significativamente menos pelo produto, comparado ao grupo de controle. Na verdade, o grupo antiético puniu o mau comportamento das empresas mais do que o grupo ético recompensou o bom comportamento. O preço médio do grupo antiético foi US$ 2,42 abaixo do grupo de controle, enquanto o preço médio do grupo ético foi US$ 1,40 acima. Portanto, a informação negativa teve quase duas vezes mais impacto do que a informação positiva sobre a intenção de pagar.
Para as empresas, as implicações desse estudo, embora limitadas, são aparentes. Esforços para mover a produção em direção a padrões mais éticos, e promover esse comportamento entre consumidores, parecem ser um investimento inteligente. Se você agir de maneira socialmente responsável, e anunciar essa fato, pode cobrar um pouco mais pelo seu produto.
Por outro lado, parece ser ainda mais importante ficar longe de produtos antiéticos. Pode ser que os consumidores ainda comprem seus produtos, mas somente mediante um enorme desconto.
Nosso próximo teste olhou para os graus de comportamento ético. Será que os consumidores estão dispostos a pagar mais por um produto 100% eticamente manufaturado contra outro que é 50% ou 25% eticamente produzido?
Para descobrir isso, testamos as respostas dos consumidores para camisetas produzidas por uma fábrica fictícia. Dividimos 218 pessoas em cinco grupos e apresentamos a empresa e seu produto. Um grupo foi informado que as camisetas eram feitas de 100% de algodão orgânico, outro de 50% de algodão orgânico e o terceiro de 25%. Um outro grupo - o antiético - foi informado de que não havia o componente orgânico. O grupo de controle não teve informação nenhuma. Exceto este, todos os grupos foram informados dos efeitos malignos do algodão não orgânico ao meio ambiente.
Os participantes foram perguntados quanto estariam dispostos a pagar pelas camisetas numa escala de 16 pontos, com preços variando de US$ 15 a US$ 30. Descobrimos que as pessoas estariam dispostas a pagar um adicional para qualquer nível de produção ética, e elas descontariam um produto antiético mais agressivamente do que recompensariam um produto ético.
Mas as pessoas não recompensaram níveis crescentes de produção ética com adicionais crescentes de dinheiro (ver tabela).
Parece que uma vez que as empresas atingem um certo grau de padrão ético, os consumidores irão recompensá-las, pagando um valor maior pelos seus produtos. Qualquer esforço ético além desse grau pode reforçar a imagem da companhia, mas não fará com que as pessoas paguem mais. (Claro que se 100% ético se tornar o padrão de exigência entre consumidores, qualquer coisa inferior a isso pode ser punida.)
No nosso experimento final, olhamos as atitudes que as pessoas trouxeram para a mesa. Se os consumidores esperarem que as empresas agirão eticamente, será que isso vai mudar o quanto eles recompensam e punem o comportamento das empresas? E se eles esperarem que as companhias estejam no negócio só pelo dinheiro, maximizando o lucro e não dando tanta bola para ética?
De novo, testamos os adeptos do café - desta vez 84 pessoas - e os dividimos em grupos que receberam informações positivas, negativas e neutras sobre o produtor e seus métodos. Antes, porém, medimos as atitudes das pessoas em relação às empresas e às classificamos em alta expectativa e baixa expectativa. A informação negativa teve um impacto bem maior sobre a resposta do consumidor do que a informação positiva. Pessoas com alta expectativa deram maiores recompensas e punições do que aquelas com baixa expectativa.
As lições são claras. As empresas deveriam segmentar o mercado e fazer um esforço específico para alcançar compradores com alto padrão ético, pois são estes que podem trazer os maiores lucros.
Remi Trudel é um candidato a doutorado em marketing na Ivey School of Business da Universidade de Western Ontario. June Cotte é professora associada de marketing da Ivey School.
Para ler mais sobre os autores e a pesquisa em questão, sugiro alguns links: aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Outras indicações que tratam do comportamento do consumidor e que decerto contribuem para aprofundar esta discussão estão aqui e aqui.
Outras indicações que tratam do comportamento do consumidor e que decerto contribuem para aprofundar esta discussão estão aqui e aqui.
O artigo tem diversos méritos.
O primeiro, creio, está no último parágrafo: SEGMENTAÇÃO.
Impossível dizer que "os consumidores valorizam a ética", como se TODOS os consumidores tivessem este comportamento. Mentira.
SEGMENTOS de mercados podem, de fato, exigir padrões éticos elevados - mas não são TODOS os consumidores, apenas alguns segmentos.
Um exemplo simples ?! Ei-lo: aposto um ano de fornecimento de Coca-Cola com qualquer pessoa que conseguir provar que os brasileiros se recusam a abastecer seus carros flex com álcool que tenha sido produzido por alguma usina que adota trabalho escravo nos canaviais.
Para quem me conhece, sabe que 1 ano de fornecimento de Coca-Cola é MUITA coisa......Jamais apostaria isso numa brincadeira simples, pois o prejuízo financeiro seria um verdadeiro rombo no orçamento !!
A maioria dos consumidores que comprou carro flex o fez devido à prometida economia (monetária) em relação aos carros movidos a gasolina. Esses consumidores valorizam o PREÇO BAIXO - por isso deixam de abastecer com gasolina. Ninguém usa álcool (ou compra carro flex) para preservar o meio-ambiente. Algumas pessoas podem até apontar esta questão como um dos motivos que respaldaram a compra do carro flex - contudo, é um segmento diminuto, restrito, que sob nenhuma circunstância conseguiria sustentar o market-share de carros flex no Brasil.
Portanto, é crucial identificar se há segmentos-alvo, no ramo de atuação da empresa, que estejam efetivamente dispostos a pagar mais por produtos que preservam o meio ambiente, ou mesmo que estejam REALMENTE preocupados se a empresa usa trabalho escravo, paga salários decentes, recolhe impostos etc. Os consumidores de tênis Nike não estavam nem um pouco preocupados com isso, como a história já mostrou (pode ser que hoje este panorama tenha mudado, claro, mas isso ainda é especulação)...
Outro ponto que eu destaco, em relação ao artigo: TEMPO.
Uma coisa é você reunir um pequeno grupo de consumidores (97 adultos, número que NEM DE LONGE pode ser considerado estatisticamente representativo de uma cidade como Campinas), jogar uma informação na cara destes consumidores e, logo na seqüência, perguntar quanto ele pagaria por aquele produto. Isso cria um viés fortíssimo....
Será que no comportamento HABITUAL, ou seja, no dia-a-dia, os consumidores que afirmaram que pagariam mais irão EFETIVAMENTE fazê-lo ? Afinal, neste contexto ele não terá acabado de receber informações prejudiciais sobre a empresa que fabrica aquele produto....
Isso traz, per se, uma diferença gritante.
Um terceiro ponto que eu quero ressaltar: o próprio texto faz um alerta quanto à extensão de suas possíveis conclusões e resultados:
O artigo, aparentemente, é fruto de alguma pesquisa mais ampla, possivelmente para uma tese ou dissertação. Pelas próprias características dos MEIOS nos quais o texto foi publicado, não há espaço para detalhes sobre metodologia, composição da amostra, técnicas estatísticas de inferência e validação etc. Antes que algum espertalhão queira tomar o artigo (ou trechos dele) como verdade absoluta (e concluir que todos os consumidores, sempre, pagarão mais por produtos de empresas comprometidas com responsabilidade social, ética, meio ambiente e afins, como vemos aqui), é preciso conhecer melhor qual a metodologia aplicada.
Estes espertalhões agem de má-fé, e reconhecem isso abertamente ("A idéia seria mesmo enviar para grupo do Fórum, mas gostaria de ouvir as orgs ambientalistas antes, porque tem umas coisas ali que podem jogar contra nossos interesses de otimização (para usar palavras do encontro) da ética sócio-ambiental na prática das empresas."). São aqueles xiitas chaatos que pregam uma utopia a qualquer custo, e infelizmente acabam encontrando respaldo em meios de comunicação aproveitadores, dado que o assunto está na moda.
De qualquer forma, FINALMENTE publica-se um artigo sério que trata do assunto com imparcialidade.
Já era hora !!!!!!!!
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