19 de abril de 2008

Sustentabilidade e Responsabilidade Social

Gratas surpresas me aguardavam ontem, na leitura dos jornais (Folha de São Paulo e Valor Econômico).
Duas notícias aparentemente sem relação, mas que passavam a fazer todo o sentido juntas quando conhecido o histórico de discussões que coloco aqui no blog.

Vou começar, então, pela matéria que li primeiro (cuja íntegra está aqui, restrita a assinantes da Folha ou do UOL), da qual ressalto alguns trechos:

O Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) decidiu ontem suspender a veiculação de duas campanhas publicitárias da Petrobras em que a empresa destacava suas ações de preservação do meio ambiente. O conselho acatou o argumento de que se tratava de propaganda enganosa da empresa.
A decisão ocorreu em razão de uma ação movida pelos governos estaduais de São Paulo e de Minas Gerais, pela Prefeitura de São Paulo e por ONGs.
De acordo com a ação, a Petrobras faz propaganda enganosa ao manter no mercado um diesel extremamente poluente -com alta concentração de enxofre, que é cancerígeno e afeta a saúde da população.
A ação pede que o Conar "suste a divulgação de todas as campanhas que abordem sua sustentabilidade empresarial e responsabilidade socioambiental, vez que como demonstrado estes compromissos não existem na prática".
As entidades afirmam que a empresa fala recorrentemente em suas campanhas e anúncios publicitários sobre seu compromisso com a qualidade ambiental e com o desenvolvimento sustentável. "Entretanto, essa postura que é transmitida por meio da publicidade não condiz com os esforços para uma atuação social e ambientalmente correta".
O secretário municipal de São Paulo, Eduardo Jorge (Verde e Meio Ambiente), que desde 2005 insiste para que a Petrobras coloque no mercado um diesel menos poluente, disse que "a decisão foi exemplar".
O secretário estadual Xico Graziano (Meio Ambiente) concorda. Para ele, a decisão é "uma vitória ética fundamental porque o Conar, no fundo, defende o consumidor". "Ficou comprovado que a Petrobras tem uma conduta inadequada."
Marcelo Furtado, do Greenpeace, afirma que o Conar ontem "repudiou a maquiagem verde". "Isso é fundamental para estimular as empresas que querem fazer sustentabilidade com seriedade a continuarem. E dá um sinal para aquelas que querem arriscar enganar o público e não cumprir leis de que não há mais espaço para picaretagem", afirmou.

Antes de tecer quaisquer comentários, transcrevo alguns trechos da segunda matéria, do Valor Econômico (aqui, apenas para assinantes):

A platéia deverá sair hoje com mais dúvidas do que quando entrar na palestra do especialista em difusão de informações financeiras e professor da Universidade de Princeton, Harrison Hong, hoje em São Paulo. Isso poderá decorrer da falta de respostas para as perguntas que ele fará, a começar pelo tema de sua apresentação: "Qual o valor da responsabilidade social corporativa? Ainda não temos todas as respostas sobre isso", ratifica, depois de ter produzido extenso estudo sobre o crescimento do volume de investimentos feitos segundo esses princípios.

Ainda que não se saiba direito o que é essa tal responsabilidade social corporativa, muito menos a concepção mais abrangente de sustentabilidade, o dinheiro corre com rapidez para esse caminho. "Definitivamente, esses investimentos (em ativos socialmente responsáveis) são uma tendência."

De 2005 a 2007, os investimentos socialmente responsáveis cresceram no mundo 18%, enquanto os demais, 3%, afirma Hong. Os fundos globais desse perfil cresceram de 55 carteiras em 1995 para 210 em 2005, passando de US$ 12 bilhões para US$ 179 bilhões. Um em cada nove dólares aplicados por investidores institucionais no mundo segue esses princípios. No Brasil, segundo a Associação Nacional de Bancos de Investimento (Anbid) - que coloca governança corporativa e sustentabilidade no mesmo balaio -, já são 31 os fundos nessa linha, com mais de R$ 2 bilhões de patrimônio.

O Brasil é um dos cenários onde esse mercado mais tende a evoluir, diz Hong. Primeiro, por causa das características das maiores empresas daqui, que têm relação próxima com o meio-ambiente por serem produtoras de commodities. Segundo, porque aqui se desenvolve a idéia da seleção das empresas por esses critérios. O Brasil é pioneiro entre os emergentes na criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da qual seu colega de Princeton, José Alexandre Scheinkman, participou. Ambos participam hoje do seminário "Mercado de capitais: o cenário atual e desafios para o futuro", promovido por Ibmec São Paulo e Máquina Finance PR.

As pessoas e o mercado não têm noção exata do que está acontecendo quando se trata de responsabilidade social, diz Hong. "Não se compreende a motivação nem os custos e benefícios", diz. Isso traz um perigo, avalia, porque há uma demanda forte por aplicações do tipo. "Por enquanto, não há critério absoluto e consensual para se incluir empresas nessa categoria."

Há justificativa para algumas críticas ao ISE, diz Hong. Segundo ele, os critérios para seleção são subjetivos demais, como ocorre em projetos similares no mundo todo. "Pode ser injusto escolher um grupo e destacá-lo do resto do mercado." Para ele, faria mais sentido um ranking que mostrasse em que pé estão todas as empresas, para se ter noção de qual o papel desempenhado por companhia e como ela atua em seu setor.

Também é complicado misturar governança corporativa - que, para ele, já tem critérios mais objetivos e consensuais - com sustentabilidade, como faz o ISE, diz. Para ele, há temas conflitantes. Os interesses dos acionistas nem sempre são os mesmos das demais instituições que se relacionam com a empresa. Às vezes podem até ser conflitantes, comenta ele, que, embora crítico, reconhece como louvável a iniciativa de criação do ISE.

Quanto à comparação do desempenho do ISE com o dos outros índices da Bovespa, ele reconhece que não haveria como eles apresentarem rumos muito diferentes. Desde dezembro de 2005, até ontem, o ISE apresenta alta de 96,60%, enquanto o Ibovespa sobe 102,26% no mesmo período. "Eles são muito relacionados porque deles constam empresas muito similares", diz Hong.

As análises do Harrison Hong citadas na matéria são, basicamente, aquelas às quais eu cheguei em 2005 (formalmente, pois informalmente já tinha esta percepção antes).
As discussões envolvendo "sustentabilidade" e "responsabilidade social" ainda são um tiro no escuro: ninguém sabe definir o que é isso, não existem indicadores ou quaisquer métricas capazes de gerar dados que embasem comparações, e muita gente aproveita-se deste mar de ignorância para tripudiar, vender uma "imagem" que em nada representa a verdade, e enganar alguns incautos com isso.

Esta conclusão gera, por um lado, uma incrível profusão de pseudo-definições sobre os temas, muitas das quais mantêm pouca ou nenhuma relação com as demais; por outro, cria-se um modismo irritantemente ignóbil - que, por seu turno, acaba criando uma "febre": muitas empresas contratam picaretas que se dizem especialistas no assunto para prestar-lhes "consultoria".

Ora, se ainda não se sabe ao certo o que é "sustentabilidade", como é que alguém pode ser especialista no assunto ?

Seria o mesmo que, metaforicamente falando, alguém se dizer especialista em energia nuclear em 1725..... Como alguém poderia ser especialista no assunto se ainda era um tema desconhecido ?

Seria possível imaginar um especialista em lâmpadas incandescentes em 1830 ? Como, se Thomas Edison só viria a inventá-las 50 anos depois ?

Se ninguém sabe o que é "alguma coisa", é impossível ser especialista nesse "alguma coisa".
Neste caso, "alguma coisa" pode ser perfeitamente substituído por "responsabilidade social", "sustentabilidade" ou qualquer outro modismo chato e vazio.

E, como sempre, tem gente que se aproveita desse mar de ignorância - como fica claro na matéria sobre a Petrobras. Eu sempre me perguntei como uma empresa petrolífera, que polui descarada e constantemente o meio-ambiente tem a cara de pau de produzir propagandas (enganosas) auto-intitulando-se "sustentável".

Isso demonstra que DEFINITIVAMENTE o termo "sustentável" ainda não significa nada......
Estou afirmando que JAMAIS significará ?
NÃO.
Estou dizendo, com plena convicção, que atualmente não significa nada.

Vamos imaginar o seguinte: se a Petrobras disser que as propagandas que foram proibidas pelo Conar não têm nenhum "problema" ou "inconformidade" que justifique a decisão do órgão. Nas suas explicações, ela pode afirmar que no entendimento da empresa, "sustentabilidade" é destinar dinheiro (obviamente isento de impostos, e num montante dedutível do imposto a pagar ao final do ano fiscal) para ajudar índios do Xingu a comprarem seus iPods.
Ela está errada ????????
Se ninguém sabe o que significa ser uma empresa "sustentável"...... fica impossível dizer se esta ou aquela empresa é "sustentável" ou não. A Petrobras afirma que é, e ponto final.

O mesmo raciocínio vale para empresas "preocupadas com a responsabilidade social".
O que é isso ?
Destinar dinheiro para entidades filantrópicas e ONGs (dinheiro este que servirá para amortizar o total de impostos a serem recolhidos, obviamente) é ser "socialmente responsável" ?
Obrigar os funcionários (que aquelas insossas gerentes de RH chamam de "colaboradores") a passar 1 dia a cada 6 meses pintando uma escola decrépita que fora abandonada pelo governo é ser "socialmente responsável" ? É fácil fazer caridade com o dinheiro dos outros, né ?! Obrigar o funcionário a fazer coisas deste tipo é uma humilhação abominável.....Mas cansei de ver empresas colocando uma relação de escolas e afins que recebem os funcionários com esta finalidade em seus "balanços sociais"....(como se eles não fossem pressionados a ir, sob o risco de serem demitidos ou mesmo discriminados internamente depois)


Contudo, o fato de nada significar, não impede que pessoas de má-fé ou de peremptória ignorância digam ser "especialistas", e acabem cobrando por prestação de serviços equivalentes à antimatéria.

Uma rápida busca na internet indicará um listagem quase infinita de empresas "especializadas" em prestar serviços ligados à sustentabilidade ou mesmo à responsabilidade social - isso sem falar dos picaretas "especializados" em marketing pessoal, marketing político, marketing esportivo, marketing odontológico, marketing bacteriano, marketing canino, marketing eqüino, marketing lunar etc.......

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