O texto é da folha de São Paulo de 02/03/2008, e trata de uma questão da maior importância:
Novas mídias mudam grandes agências
Maiores grupos de propaganda do país modificam as suas estruturas para competir por verbas cada vez mais pulverizadas
CRISTIANE BARBIERI - DA REPORTAGEM LOCAL
Na fogueira das vaidades do mundo da propaganda, dividir quartos, hospedar-se num hotel relativamente simples e passar o fim de semana ensolarado num auditório ouvindo gurus e economistas seria impensável, até poucos anos atrás. Pois foi exatamente o que aconteceu com um grupo de 210 dos mais renomados publicitários do país, na semana passada.
Na 1ª Convenção Executiva do grupo ABC, presidentes e criativos de 12 agências ficaram de quinta-feira a domingo ouvindo palestras. Entre elas, do empresário Beto Sicupira, do ex-ministro e acionista da Sadia Luiz Fernando Furlan e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na pauta, nada de campanhas criativas e engraçadinhas, prêmios e genialidades da raça, mas, sim, orçamento, macroeconomia, gestão de pessoas e empreendedorismo. "Estamos nos atualizando para acompanhar o mundo", diz Nizan Guanaes, presidente do grupo ABC.
Isso porque a realidade à qual os publicitários estavam acostumados mudou. Saíram de cena verbas polpudas, gastas principalmente numa gigantesca campanha de TV, e entrou no ar a pulverização da comunicação. "O consumidor se pulverizou, e as verbas se pulverizaram atrás dele."
Com as novas tecnologias, a propaganda passou a abranger áreas como "advergames" (anúncios em jogos eletrônicos), marketing viral (boatos na internet), as de guerrilha (ações de impacto), promocional, de ações no ponto-de-venda, entre dezenas de opções.
Apesar de dizerem que oferecem e estão habituadas a todas essas alternativas, as agências tentam descobrir maneiras de garantir para si fatias maiores das verbas agora picotadas.
"Mais do que canibalização, está havendo uma complementaridade entre as diferentes formas de comunicação", diz Fabio Fernandes, sócio da F/Nazca Saatchi&Saatchi. "Nenhuma delas está morrendo, mas se unindo umas às outras e multiplicando negócios."
Para aproveitar a tendência, Fernandes e três sócios criaram, na semana passada, a holding Qu4tro. Sob ela, estarão empresas de promoções, eventos, marketing direto, "buzz marketing", "mobile marketing", conteúdo e novas mídias.
A primeira do grupo é a 360º BTL, que faturou R$ 25 milhões no ano passado com eventos, promoções e incentivo. A expectativa é a de que sejam feitas mais duas ou três aquisições neste ano.
"Amplificamos nossos horizontes para outras disciplinas", diz Fernandes, que admite que estava perdendo negócios por não atuar mais fortemente em outras áreas.
Para abrir o leque de ofertas, Fernandes teve de flexibilizar o contrato de exclusividade que tinha com o grupo britânico Saatchi&Saatchi. Assim, a Qu4tro abrigará negócios que não forem de interesse da Saatchi, apesar de, no mundo, a agência ter coligadas em áreas de fora da mídia tradicional.
"Futuramente a Saatchi poderá fazer aquisições conosco", diz Fernandes.
Ter agências de diferentes áreas coligadas ou abrigá-las sob a mesma companhia, aliás, é uma das principais discussões sobre os rumos futuros do setor. O grupo Interpublic, um dos gigantes no mundo, adotou modelos diferentes nas agências que abriga.
Na Giovanni+Draftfcb, por exemplo, a estratégia foi juntar todas as áreas sob o mesmo teto, literalmente. Cerca de 350 funcionários de áreas completamente distintas passaram a conviver e foram treinados exaustivamente para entender o que os agora novos colegas de trabalho fazem. Objetivo: otimizar a oferta de serviços e gerar negócios.
Entre outras iniciativas, foi implantado o Projeto Evolução, reunião mensal na qual funcionários de determinadas áreas explicam para os de outras o que fazem e como operam. "Nesse tipo de atendimento, não há conflitos de áreas, não há sócios diferentes, e a recomendação do serviço para o cliente é isenta", afirma Aurélio Lopes, presidente da Giovanni+Draftfcb.
Segundo ele, ao reunir serviços e facilitar sua oferta, a agência conseguiu aumentar a relação financeira com os clientes em torno de 25%. Num dos casos, por exemplo, foi criada uma propaganda para o Habib's que tinha uma campanha para eleição do melhor quibe em filmes feitos para televisão, urnas e material de ponto-de-venda e ações pela internet.
"Por sete anos nossas empresas trabalharam como coligadas", diz Lopes. "Eram duas empresas diferentes, com visões diferentes, e os resultados não eram os mesmos."
O método de trabalho, entretanto, está longe de ser unanimidade. "Não é possível entender de parto de onça e atracação de navio", diz Guanaes. "Respeito quem adota, mas não acredito em comunicação 360º. Cada um tem sua especialidade e é o que os grandes grupos do mundo estão fazendo."
Numa área que muda com velocidade, a discussão deve ir longe, dizem os especialistas. Os publicitários acreditam, no entanto, que os dois formatos conviverão entre si, como opções múltiplas à comunicação também cada vez mais variada.
Na mesma matéria, uma frase do publicitário Nizan Guanaes é taxativa: Não é possível entender de parto de onça e atracação de navio [...] Respeito quem adota, mas não acredito em comunicação 360º. Cada um tem sua especialidade.
Uma matéria interessante..... Demonstra o impacto que as novas mídias tem trazido aos negócios.
Mas muitas vezes cria-se um modismo em torno de alguma destas novidades.... Isso é sempre um risco !
A mesma Folha de São Paulo, uma semana depois (09/03/2008), publicou a tradução de um artigo publicado originalmente na "Atlantic Monthly", que trata das "novas mídias". Longo, mas vale a leitura:
A revolução será televisionada
Usando as mesmas armas da internet, redes de TV podem dar a volta por cima e atrair mais público que o mundo virtual
MICHAEL HIRSCHORN
Uma das coisas mais cansativas nos devotos das novas mídias é a sua convicção, em nada diferente daquela ostentada por pessoas que aderem a cultos religiosos: para eles, ou uma pessoa "entende" o que é importante ou não entende. Ainda que seja um costume cansativo, isso não quer dizer que não estejam certos, pelo menos em certa medida.
Um exemplo clássico seria a maneira como Steve Jobs [principal executivo da Apple] transformou a indústria fonográfica em refém e praticamente a destruiu. As grandes gravadoras, ao concederem à Apple o direito de vender faixas individuais por US$ 0,99, solaparam o modelo de negócios que as sustentava -vender grupos de canções unidas em um produto chamado "álbum", por até US$ 20 a unidade.
O que elas não perceberam foi o fato de que as pessoas estavam prontas para começar a consumir música de maneira inteiramente nova. As gravadoras viam o iTunes como uma maneira de ganhar dinheiro sem despesas -como uma fonte "subsidiária" de receita, no sentido legal do termo.
Jobs tomou essas canções baratas e as vendeu abaixo do preço, como forma de estimular a compra dos dispendiosos iPods fabricados por sua empresa, e o setor de música em sua forma tradicional agora está despedaçado.
Como trabalho no setor de TV convencional, não tinha percebido até agora que exatamente a mesma coisa está acontecendo no mercado de vídeo. Eu certamente acompanhei a ascensão de serviços de vídeo online como o YouTube.
O iTunes também começou a operar no mercado de vídeo, oferecendo uma combinação entre vídeos profissionais e podcasts em vídeo de amadores e quase amadores.
Como as gravadoras antes deles, as redes de TV e estúdios de cinema licenciaram parte de seu conteúdo para a Apple, permitindo que o iTunes vendesse programas e filmes com a mesma estratégia de preço único que ela havia adotado para a música (US$ 1,99 no caso dos programas de TV e US$ 9,99 para filmes).
O iPod Video, que concorre com os celulares capazes de exibir vídeos e outros aparelhos capazes de exibir essa forma de conteúdo, permitiu que o conteúdo visual chegasse ao mercado móvel, o que deu início a um período de vídeo acessível a qualquer hora, em todo lugar e de imediato.
Tudo isso parecia apenas ruído de fundo, resmungo digital, porque uma coisa era óbvia: as pessoas amam a televisão. Jamais deixarão de assistir à TV.
O YouTube pode ser popular mas não conta, porque não é TV de verdade. Seus vídeos são curtos, e muitos deles são esquisitos. A TV profissional apresenta mais brilho, narrativas mais agradáveis. E esses valores seriam eternos.
Mas uma recente visita a Houston me convenceu de que eu não estava entendendo a situação. Meu amigo Mike e sua mulher haviam dispensado completamente o televisor e, em lugar disso, utilizavam um iMac com tela de 20 polegadas como uma espécie de home theater improvisado, sem perdas dolorosas de qualidade.
O conteúdo vinha do iTunes, de outros serviços de mídia na web e de DVDs. Ao fazê-lo, dispensaram as polpudas contas da TV a cabo e afirmaram uma forma iconoclasta de controle sobre a mídia em suas vidas.
A experiência tradicional de assistir à TV não precisa necessariamente morrer, mas, para salvá-la, o complexo mídia-indústria terá que agir de modos não-tradicionais e desconfortáveis e terá, igualmente, que repensar "o que é TV".
No momento, isso significa assistir a um programa de vídeo produzido profissionalmente. O telespectador é um participante passivo e usa um televisor ligado a um decodificador que recebe conteúdo de um serviço de cabo ou transmissão digital.
No futuro, a TV será uma cacofonia de conteúdos profissional e amador, em forma longa ou curta, distribuídos por uma variedade de plataformas e recebido por uma variedade de aparelhos.
O conteúdo recebido será editado, comentado, parodiado e retransmitido pelo antigo "telespectador" -agora chamado "usuário"- para quem quer que ele deseje. Determinar quem pagará a quem para fornecer que serviço a quem mais representa a grande questão para esse novo modelo, em torno do qual todas as revoluções da mídia parecem girar.
E não há nada que indique que as pessoas que vêm sendo pagas agora continuarão a sê-lo dentro de alguns anos. O modelo surgido depois da Segunda Guerra, de conteúdo em vídeo dispendioso movimentando um setor de produção de conteúdo imensamente lucrativo (todos aqueles filmes com orçamentos de US$ 200 milhões) está sob certa ameaça.
A grande greve dos roteiristas encerrada recentemente nos EUA e uma possível greve dos atores na metade deste ano representam a grande batalha final pelo controle dos lucros do conteúdo em um momento que talvez seja o último em que disputar esse controle valha a pena -mais ou menos como as greves dos operários siderúrgicos nos anos 1980.
A história quanto ao vídeo difere da história que aconteceu no setor de música de maneira crucial. Ser um fã de música tradicionalmente envolvia ir à loja de discos, dedicando quantias consideráveis a um artefato do qual você conhecia apenas uma ou duas canções, e o processo todo, em geral, resultava em decepção com o produto recebido.
O modelo que o iTunes criou no setor de música e o modelo do download ilegal representaram um salto quântico em termos de satisfação dos consumidores, diante dos modelos anteriormente existentes: tornou-se possível pagar apenas pelas canções realmente desejadas (ou obtê-las sem pagar coisa nenhuma!).
Além disso, o método oferecia um sistema de armazenagem conveniente, que permitia dispensar todas aquelas caixas quebradas de CDs.
Já o modelo tradicional da TV é muito mais amistoso para com os usuários. Os programas são gratuitos ou, ao menos, seu custo fica soterrado em meio às faturas da TV a cabo.
Assistir a vídeos na web, ao contrário do que a tendência pareceria indicar, é uma experiência mais analógica do que assisti-los em um televisor. Na TV é possível selecionar entre centenas de ofertas instantaneamente ou escolher entre dezenas de programas que você tenha preservado em seu gravador digital de vídeo.
Na maioria dos sites de vídeo, no entanto, clicar de programa a programa envolve abrir e fechar software de mídia e assistir a intermináveis anúncios que surgem na tela antes do programa.
A qualidade continua abaixo da média, com definição baixa, programas de reprodução de mídia que oferecem telas reduzidas e problemas de sincronização de áudio e vídeo. A seleção disponível não é das mais amplas, e não existe um guia central que informe o que está disponível, onde e quando.
É fácil dizer que esses problemas terminarão resolvidos, mas restará sempre a suspeita de que a experiência propiciada é desagradável intencionalmente, para que as pessoas não abandonem os seus televisores rápido demais.
Como diz Mark Cuban, empresário de internet, proprietário do time de basquete Dallas Mavericks, a curva de inovação na web está estagnada, e a largura de banda disponível também está chegando ao limite.
Em outras palavras, há um limite para o volume de dados que pode ser distribuído pelos nódulos da internet, e essa limitação estrutural torna improvável que a web venha a propiciar uma experiência lisa de vídeo, pelo menos no futuro previsível.
É por isso que Cuban afirmou no ano passado, contrariando as opiniões dominantes, que a web "é chata e está morta". E é exatamente aí que estão o problema e a oportunidade que a TV tradicional precisa encarar.
O avesso da teimosia do setor de música é a mentalidade de rebanho -"precisamos acompanhar o que a garotada faz". Essa mentalidade dispõe que, a menos que a empresa aposte todas as fichas na internet, ela não está "sacando a coisa".
Mas "sacar a coisa" não significa necessariamente ceder ao coro dos digitais, especialmente se isso significa destruir seu negócio no processo. Nos dois últimos anos, as redes de TV colocaram programas na web de maneira desordenada. A lógica é que, caso não o façam, alguém mais o fará.
Mas, como o setor de música logo aprendeu (a exemplo do setor jornalístico anteriormente), esse modelo rapidamente faz de um negócio uma organização de caridade, o que solapa o valor de seu produto, ainda que exponha o conteúdo a uma audiência maior.
Isso ocorre porque anunciantes e redes abertas ainda não definiram um protocolo para a venda de publicidade que acompanhe a quase infinidade de conteúdo disponível, e os consumidores ainda não estão preparados para gastar muito dinheiro pagando por downloads.
Existe uma solução, e ela está bem debaixo dos narizes das redes de TV: transformar a televisão em algo mais parecido com a internet. Em diversos posts na web, Cuban vem promovendo imensas inovações que devem surgir com a TV de alta definição, entre as quais funções plenas de internet nos televisores e decodificadores de próxima geração.
A televisão com recursos de web provavelmente significaria uma profunda perda de controle para os programadores de TV, porque as prerrogativas tradicionalmente reservadas a quem controla datas e horários se tornariam irrelevantes. O mesmo se aplicaria ao conceito de "rede" de TV, já que a maioria dos programas se tornaria igualmente acessíveis, não importa quem os exiba.
Na medida em que avançamos na direção de uma cultura em que as escolhas cabem mais e mais ao consumidor, a TV certamente precisa acompanhar isso, não importa o quanto pareça modismo.
Mas não há motivo para que a própria TV não concorra como versão futura da web, segundo a visão de Cuban, oferecendo escolhas ilimitadas (imensos estoques de filmes, temporadas inteiras de seriados), capacidades de edição e distribuição por usuário (ou seja, a possibilidade de enviar a um amigo um trecho do episódio de alguma série que você acabou de assistir), reprise, armazenagem, WiFi...
E, como todos os dados percorrerão a mesma "tubulação", mas sem a influência desestabilizadora da internet, a TV poderá oferecer resolução excelente, mesmo em um televisor de 60 polegadas.
E eis a última das inversões: à medida que TV e internet convergem como parte de algo genericamente conhecido como banda larga, as distinções entre as duas logo se tornarão irrelevantes, do ponto de vista dos consumidores. Mas será que o híbrido resultante se parecerá mais com a TV, acrescida de interatividade, ou com a internet, acrescida de TV?
A distinção valerá bilhões para quem chegar primeiro e organizar a bagunça de maneira satisfatória para o consumidor.
MICHAEL HIRSCHORN foi vice-presidente executivo da VH1, um dos canais da MTV. É colunista da revista "Atlantic Monthly", onde a íntegra deste texto foi publicada. Tradução de Paulo Migliacci .
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