A matéria abaixo foi publicada no Valor Econômico em 12/09/08, e traz uma entrevista com alguém que demonstra alguma sensatez na discussão sobre "sustentabilidade" - coisa rara, dado o histerismo que vem cercando o tema ultimamente (os trechos destacados em negrito são grifos meus):
Algumas expressões muito usadas em mesas de negócios nos últimos tempos nasceram na mente de John Elkington. O sociólogo inglês que transita, há 30 de seus 58 anos, nos campos ambientalistas e, mais recentemente, no terreno da sustentabilidade, cunhou expressões como "triple bottom line"- com a idéia de que as empresas devem medir o valor que geram, ou destroem, nas dimensões econômica, social e ambiental - e sua versão popular, "PPP - people, planet and profit" (pessoas, planeta e lucro).Então, quer dizer que é possível, sim, discutir este assunto sem recorrer a clichês vazios e falaciosos (como citar a suposta pressão que os consumidores têm feito, exigindo produtos "verdes" e outras baboseiras congêneres).
Co-fundador da empresa de consultoria e pesquisa SustainAbility, que mantém uma seleta e influente carteira de clientes, Elkington é um dos gurus do movimento de responsabilidade social e sustentabilidade no mundo. Tem 17 livros publicados, entre eles fenômenos como o Guia do Consumidor Verde, que vendeu mais de 1 milhão de exemplares. Em fevereiro de 2009, ele virá ao Brasil para o evento final do Prêmio Itaú de Finanças Sustentáveis, que pretende estimular a produção acadêmica e jornalística sobre o tema, em um projeto apoiado pela SustainAbility. Veja a seguir trechos da entrevista que ele concedeu ao Valor, por telefone, de Londres.
Valor: Que tipo de mudanças o senhor identifica nas empresas desde a criação do conceito de "triple bottom line", em 1994? As companhias progrediram nesse campo?
John Elkington: Sim, eu acho que elas progrediram muito. Olho para países como o Brasil e vejo um número crescente de empresas, negócios e empreendedores nesse caminho. Mas com certeza temos ainda muito pela frente.
Valor: Por que, em sua opinião, as empresas usam a linguagem da sustentabilidade mas ainda não incorporam suas práticas?
Elkington: É algo muito humano no sentido de que quando surge uma moda, ou uma linguagem, as pessoas brincam com a idéia por um tempo. Usam algumas das novas roupas, experimentam as palavras. Acredito que ocorra o mesmo com a sustentabilidade. Quando o conceito foi criado, a maioria das empresas líderes no campo da cidadania corporativa estava focada principalmente em meio ambiente e algumas só pensando em quanto poderiam economizar com redução de consumo de energia. Usavam o termo ecoeficiência, que era adotado pelo World Business Council for Sustainable Development. Ecoeficiência é realmente importante, mas existe não apenas um lado financeiro, mas também um lado econômico. Isso é sobre como construir economias, mas também existe um lado social. Muitas companhias, particularmente nos EUA, consideram a dimensão social do desenvolvimento sustentável ou do "triple bottom line" muito difícil. Só para dar um exemplo, a varejista Wal-Mart, uma das maiores do mundo, adotou recentemente uma série de medidas ambientais e está falando sobre sustentabilidade, mas não está fazendo muito no aspecto social.
Valor: Por que isso acontece?
Elkington: Há 21 anos, quando foi adotado o termo sustentabilidade, nós passamos os primeiros dois ou três anos soletrando a palavra, que ninguém havia ouvido até então. E agora, o Wal-Mart usa, a General Electric usa e muitas outras companhias de diversos tipos, em todo o mundo, usam. Elas, que costumavam ser pouco amigáveis com os ambientalistas ou ativistas sociais, hoje usam a linguagem. Acho que existem muitas razões para isso além do fato de estar na moda. Um dos motivos é a seriedade e importância das questões envolvidas. A mudança climática é um deles, toda a questão da pobreza - os desafios de obter acesso à água limpa e a produtos farmacêuticos para mais pessoas, conseguir energia a um custo que as pessoas possam encarar. Esses problemas não preocupam apenas candidatos, ativistas ou os governos. Existe uma expectativa, decorrente da globalização, de que o mundo corporativo desempenhe um papel em relação a essas questões. É por isso que eu acredito que as companhias estão começando a usar de forma crescente a sustentabilidade para rotular esses grandes desafios que no passado eram responsabilidade dos governos e não nossos. Estão começando a reconhecer que existe uma responsabilidade corporativa das companhias também.
Valor: Em termos práticos, quais são as implicações do uso dessa linguagem pelas empresas?
Elkington: Quando as pessoas usam a linguagem da sustentabilidade nós devemos dizer: "É maravilhoso que você tenha se comprometido com a sustentabilidade, mas você realmente entende o significado?" Não se trata de apenas limpar uma fábrica em particular, ou fazer um trabalho filantrópico. É uma agenda global. Uma agenda que não é voltada apenas para proteger ou salvar coisas. É sobre mudanças econômicas, sobre mudanças políticas. É em relação a isso que o conceito do "triple bottom line" pode ser útil.
Valor: Essa mudança incluiria uma nova abordagem para o lucro?
Elkington: É difícil. Não acho que iremos ver uma redifinição radical de lucro nos próximos cinco anos. Acho que nossas economias precisam ser capazes de medir e gerar lucros para poder investir no futuro. O que acontece de forma paralela é que as pessoas começam a perceber que o atual modelo econômico e o atual modelo de negócios estão freqüentemente ligados a algum tipo de dano social ou ambiental que o modo tradicional de medir resultados ou lucratividade não leva em conta. E começamos a ver algumas companhias de ponta que buscam retornos sociais e ambientais como dividendos.
Valor: Como o senhor imagina que esse processo irá evoluir?
Elkington: Alguns empreendedores sociais e algumas novas fundações começam a fazer um trabalho muito interessante de mensuração dos retornos e dividendos sociais. O verdadeiro desafio é que se as empresas fizerem isso só por conta própria, o mercado financeiro não permitirá que a longo prazo as companhias busquem retornos sociais se ninguém pagar por eles. Existem argumentos sobre como eles ajudam uma empresa a sobreviver, como ajudam a legitimar o negócio. Mas o mercado financeiro não gosta dessas coisas. E acho que novamente precisaremos da ajuda do governo para moldar os mercados do futuro e colocar preços em sistemas ecológicos, recursos naturais, comunidades saudáveis, ou o que for, de modo que os mercados possam entender que as empresas não devem apenas atender as tendências e necessidades do mercado. Mas acho que na maior parte do mundo estamos muito longe disso e ainda há um longo caminho pela frente.
Valor: Mas depois de anos de domínio da lógica do poder de mercado, como isso ocorreria?
Elkington: É difícil saber. Acredito que as falhas do mercado, os problemas que o sistema bancário enfrenta agora, significam que haverá sim em muitos países ações governamentais para regulamentação de determinados setores da economia. Muitos irão tentar limpar problemas do passado em lugar de serem inovadores e construir novas formas e valores. Estive nos últimos sete anos nas reuniões do Fórum Econômico Mundial e foi extraordinário ver como as novas e grandes questões ambientais e sociais entram na agenda. E os líderes políticos e de negócios sendo quase forçados a prestar atenção a essa nova agenda. Acho que essa agenda será um pouco apertada pela recessão, mas voltará com mais ímpeto em alguns anos. E os mercados financeiros são centrais para assegurar que o capitalismo responda da maneira certa.
Valor: Como o mercado de capitais e o sistema financeiro podem contribuir de forma efetiva?
Elkington: Na Suíça, uma das maiores companhias resseguradoras do mundo, a SuissRe, está extremamente preocupada com a tendência dos desastres naturais. Mas o mais amedrontador para eles é a mudança climática. A maioria dos terremotos ocorre em lugares onde as pessoas não são muito ricas - se ocorressem no Japão ou na Califórnia seria diferente - portanto o risco de seguro não é tão alto. Mas a mudança climática ocorre em partes do mundo onde as pessoas são ricas, onde elas têm seguro e onde o risco para companhias como SuissRe está cada vez maior. Eles estão começando a registrar os padrões ambientais que as companhias que resseguram devem preencher. É um jeito de tentar a mudança. Ao mesmo tempo, a SuissRe é uma investidora de grande peso e agora, por conta da mudança climática, começa a pensar em uma estratégia de investimentos. Diversas grandes instituições financeiras têm se engajado à essa agenda ampla.
Valor: E quais são os reflexos desse engajamento na vida real?
Elkington: : Hoje os presidentes e conselheiros executivos dessas companhias defendendo em público atenção para esses desafios. Não é mais discurso do Greenpeace, a campanha é de líderes empresariais. E ultimamente eles também têm convocado líderes políticos a agir. Há três quatro anos isso seria inimaginável. Os líderes empresariais estão acordando, não em todo o mundo, mas estão.
Valor: Na prática, o que essas grandes empresas podem fazer?
Elkington: As grandes companhias estão de forma crescente pedindo a seus fornecedores, a sua cadeia de valor, que sigam padrões ambientais, de eficiência, de direitos humanos, comércio justo. A diferença é que se um político tenta introduzir uma nova norma, as companhias tendem a se juntar para contestar essa regulamentação. Se a Wal-Mart decide que dentro de seis meses vai vender apenas lâmpadas eficientes; se diz que não vai mais vender ou manter em estoque lâmpadas incandescentes, não há nada que os fornecedores possam fazer a respeito. É uma dinâmica complexa de mercado que está fazendo a coisa andar.
Valor: Seu último livro ["The Power of Unreasonable People: How Social Entrepreneurs Create Markets that Change the World"] é dedicado a empreendedores sociais que inspiram novos modelos de negócios. Isso vale para as empresas convencionais?
Elkington: Boa parte das pessoas que trabalham nas grandes empresas não são muito inovadoras e acreditam que o modo como os negócios funcionam hoje está assegurado. Esquecem que as economias nacionais e global passam por períodos de mudanças drásticas, que os economistas chamam de destruição criativa. Acho que estamos em um desses momentos. Os empreendedores sociais olham para áreas em que os mercados falharam, em que eles simplesmente não atendem as necessidades das pessoas - água potável, medicamentos para aids, malária, tuberculose. O mercado não está funcionando e eles fazem ali um negócio social. As empresas podem usar essas pessoas como lentes, como microscópio, para ver as oportunidades de negócios do futuro.
Falta apenas disseminar isso, para que Exame, Estadão e outros meios de comunicação parem de escrever besteiras....
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