Por vezes, como consumidor, me sinto um otário completo, um imbecil por tentar ser bem atendido por empresas de grande porte, que muitas vezes vi (como estudante e/ou como professor) em "cases" de marketing. Os "cases", via de regra, rasgam-se em elogios, enaltecem as empresas até a exaustão.
Assim, quando o cliente Carlos é tratado como lixo (como relatei recentemente, no caso da Motorola), o profissional Carlos Munhoz acha estranho (não tão estranho quanto falar de mim na terceira pessoa, obviamente!).
Teria sido apenas azar ?
Mas eventualmente consigo deixar o sentimento de solidão de lado, quando tomo conhecimento dos percalços enfrentados por outras pessoas, outros consumidores tratados de forma igualmente idiota por empresas famosas, que espalham uma imagem de total profissionalismo.
É o caso do Citibank (agora Citigroup), que li na newsletter do Silvio Lefèvre (disponível aqui), que transcrevo a seguir.
Em 2006 o Citigroup se tornou o único acionista na Credicard, após incorporar as participações do Unibanco e do Itaú. A marca passou a ser então “Credicard Citi”. A partir deste fato relevante, um comum mortal deduziria que o interesse maior da Credicard seria o favorecimento dos negócios do Citibank, certo? Errado: a Credicard não conhece os cartões de crédito do Citi e tudo indica que não se importa que um cliente os adquira ou não.
Como cliente antigo da Credicard tive uma demonstração prática desta miopia ao receber insistentes ligações de telemarketing do Citi, buscando me capturar como cliente do banco. Até aí tudo muito lógico: uma legítima tentativa de oferecer o banco aos que são apenas clientes do cartão, pensei.
Depois de perder a paciência com os telemarqueteiros tagarelas que recitam, aos trancos e solavancos, os scripts que estão diante de seus narizes, mas não conseguem responder a uma só pergunta precisa... eu praticamente já havia desistido de pensar em Citibank quando recebi uma mala direta, aliás muito bem feita, oferecendo 20.000 milhas no programa de milhagem da American Airlines na abertura de uma conta bancária no Citi. Impressas nesta mala estavam as imagens dos cartões AAdvantage Mastercard, que eu já tenho na Credicard, e do AAdvantage Visa, que eu não tenho e há tempos tentava adquirir, mas a Credicard teimava em me dizer que não existe ou não existe mais.
Opa! Se o cartão AAdvantage Visa está no folheto do Citi, então ele existe ou está novamente sendo oferecido, certo? Novamente errado, como constatei ligando para a Credicard e solicitando este cartão. “Este cartão não existe”, me disse a atendente com a maior empáfia. “Como você explica então que ele esteja fotografado no folheto do Citi que eu acabo de receber?”, perguntei. “Este cartão não existe, Senhor....”, continuou a recitar a atendente. Inútil pedir para falar com o supervisor: o cliente Credicard, seja ele Gold, Platinum ou qualquer outro metal não tem o direito de falar com uma pessoa que saiba raciocinar e muito menos tomar alguma decisão: só é atendido por autômatos.
Já que a administradora de cartões do Citi não conhece os cartões que o Citi divulga, eu procurei no site do banco e... lá estava, bonitinho, o cartão Visa AAdvantage sendo oferecido. Duas alternativas são dadas para adquiri-lo: preencher um pedido na Internet ou ligar para um número de telefone.
Fiz então o pedido pela Internet e esperei uma semana pelo retorno... mas não veio nada. Já entendi tudo então: este é mais um daqueles canais de “relacionamento” na Internet que só servem para fazer figuração nos cases apresentados para as premiações, mas que não levam a nada. Pelo visto ninguém lá no banco dá a mínima bola para os clientes que chegam espontaneamente pelo site (sem dúvida os melhores).
Tentei então o telefone de atendimento do banco e lá tive que contar toda a minha história, apesar de protestar dizendo que tudo está no computador deles, já que eu tenho os cartões Credicard Citi há anos. “Não temos acesso, Senhor”....
OK, o Citi não tem acesso aos cartões do Citi, a gente entende... O que não dá para entender é que apesar de toda a minha insistência, simplesmente não consegui adquirir o cartão. Ficaram de fazer um contato, que nunca veio. Ou seja: a Credicard não está interessada em vender o cartão do seu banco acionista e este também não parece minimamente interessado em vender o produto que anuncia.
Aí eu pensei: “Quem sabe se eu me tornar cliente do Citi eles passem a me tratar melhor e finalmente me dêem o cartão Visa AAdvantage? A oferta das 20.000 milhas para abrir a conta é tentadora para quem coleciona esta forma bem vantajosa de ir aos USA...
Cliente insistente, fui à agência mais próxima do Citi e abri a conta. “Sem dúvida lhe daremos este cartão”, me garantiu a gentil gerente, ao preencher os formulários, “além de toda uma série de benefícios”, que explicitou. Tudo bem: topei a parada. A novela ainda não terminou porque ainda não recebi os talões de cheque, nem cartão algum. Mas a partir deste momento eu preciso acreditar que vou conseguir o cartão Visa... Se nem assim eu o conseguir, fecho de imediato a conta que acabei de abrir! Se eles não conseguirem vender nem para alguém como eu, obcecado por comprar o seu produto, então eu desisto.
Por que será que acontecem tantas trapalhadas como estas, tanta incapacidade de vender, tanta incompetência mesmo numa empresa do porte (gigantesco) do Citi? Talvez por isso mesmo, ou seja, por causa do seu gigantismo. Quase como uma estatal, certas empresas gigantes tendem a um burocratismo extremo, uma departamentalização tal que faz com que cada executivo só pense no que tem diante da tela do seu próprio computador, ignorando tudo o que acontece até mesmo na mesa ao lado. Quanto ao que fazem ou planejam as várias empresas do grupo eles freqüentemente desconhecem e lançam produtos concorrentes entre si, não fazem nada em uma empresa para ajudar a outra... e por aí vai, num festival de derrapadas que nem mesmo em um ano de coluna eu teria espaço para descrever.
Mas será que essas empresas não têm diretores de marketing, não tem VPs ou mesmo presidentes que se preocupem em ter uma visão de conjunto e não deixem tais bobagens acontecerem? Pois é... sem dúvida esses gigantes têm bastantes deles, sentados em confortáveis poltronas, em salas climatizadas, quem sabe até alguns com MBAs e PhDs. A dúvida é apenas uma: o que fazem eles que não vêem nada, não sabem de nada, não fazem nada para evitar que aconteçam tais absurdos? Isso está parecido demais com o que temos visto nas estatais e até nos primeiros escalões da nossa República.
O Citi sempre teve, especialmente no Brasil, uma imagem associada a clientes de altíssima renda - e vem, ultimamente, tentando mudar isso. Suas campanhas de comunicação agora convidam o potencial cliente a ir até uma agência, e no geral busca uma linguagem mais "acessível". Até os meios de comunicação estão, paulatinamente, sendo massificados, para buscar maior número de clientes. O banco vem abandonando os nichos e tentando atrair um segmento mais amplo, mais volumoso, para ganhar em escala.
Dizia-se, na época do desmembramento da Credicard, que o Citi estaria buscando alguns meios para aumentar sua relevância no mercado bancário brasileiro, haja vista que nunca foi um dos bancos mais relevantes no país.
Pelo visto, deve continuar assim......
O que me lembra, aliás, a EXCELENTE matéria de capa da Época Negócios de Dezembro (aqui, restrita a assinantes), que trata justamente dos erros cometidos pelas grandes empresas.
A matéria, assinada pelo (brilhante) Jagdish N. Sheth indica 7 pecados "mortais" das empresas, e a capa, com um boxeador usando salto alto, é IMPAGÁVEL. Uma criação do igualmente brilhante GABRIEL ZELLMEISTER.
Os pecados assinalados pelo Prof. Sheth são:
1) Arrogância (citado o caso da Boeing)
2) Dependência (caso da Lego)
3) Complacência
4) Miopia competitiva
5) Obsessão por volume (IBM)
6) Defesa do território (Motorola)
7) Negação (General Motors)
Pessoalmente, eu colocaria a Motorola em TODOS os sete..... Mas isto é só minha humilde visão (de um cliente desrespeitado repetidas vezes pela empresa norte-americana que já foi símbolo de eficiência, e que um dia foi respeitada).
A conclusão geral é que as grandes empresas estão absolutamente sujeitas à miopia de marketing, mesmo tendo em suas estruturas profissionais com altíssima qualificação profissional - como muito bem escreveu Silvio Lefèvre no final do seu texto.
E isto é uma coisa que passo aos meus alunos: que ninguém deve "impressionar-se" com o nome e/ou tradição das grandes multinacionais, pois muitas vezes eles cometem erros tão básicos, tão patéticos, tão banais, que parecem serem dirigidas por curiosos incompetentes.
Nem sempre são.
10 de dezembro de 2007
MIOPIA DE MARKETING: contágio em multinacionais !
postado por Unknown
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