O artigo abaixo trata da nova lei que regulamenta o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), que passa a vigorar na próxima segunda-feira:
O Decreto nº 6.523, de 31 de julho de 2008, e a Portaria nº 2.014, de 13 de outubro de 2008, do Ministério da Justiça, recentemente ganharam destaque na mídia e na comunidade jurídica ao regulamentarem aspectos do Código de Defesa do Consumidor e fixarem normas gerais sobre os serviços de atendimento ao consumidor (SACs). O principal objetivo das novas normas é o de aperfeiçoar o atendimento a clientes e consumidores por via telefônica e garantir que algumas práticas já consagradas pelo código sejam cumpridas fielmente pelos fornecedores de serviços regulados pelo poder público federal, bem como pelas empresas de call center ou de telesserviços que exercem tais atividades, sob contrato, em nome desses.
Dentre as novas regras trazidas pela chamada "Lei dos SACs", destacamos a necessidade de que os serviços sejam gratuitos e estejam disponíveis, ininterruptamente, durante 24 horas por dia e sete dias por semana, com a opção de contato com atendentes. O atendimento de todos os SACs deverá obedecer aos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade, preservando e mantendo em absoluto sigilo todos os dados pessoais do consumidor. Além disso, um histórico das demandas do consumidor deverá ser disponibilizado ao mesmo, sempre que solicitado, no prazo máximo de 72 horas e suas reclamações devem ser resolvidas, impreterivelmente, no prazo máximo de cinco dias úteis. A inobservância destas condutas ensejará a aplicação das sanções previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor, sem prejuízo de que sejam também impostas outras sanções com base nos regulamentos específicos dos órgãos e entidades reguladoras.
De um modo geral, não se pode negar que as regras propostas são benéficas para os consumidores. Muitas vezes o atendimento dos call centers é considerado irritante por quem é obrigado a fazer uso deles e existem falhas no serviço, ainda que alguns procedimentos visem apenas garantir a segurança do consumidor contra fraudes. Porém, alguns pontos controversos da Lei dos SACs certamente serão debatidos no meio jurídico, principalmente após a entrada em vigor do Decreto nº 6.523, na segunda-feira.
Em primeiro lugar, a definição de SAC que consta no artigo 2º do decreto gerará interpretações diversas. Afinal, o parágrafo 1º desse mesmo artigo esclarece que o alcance do decreto não inclui a oferta e a contratação de produtos e serviços realizada por telefone. Os SACs que deverão cumprir as novas regras são os definidos como "serviço de atendimento telefônico das prestadoras de serviços regulados que tenham como finalidade resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços".
Ao limitar seu escopo às prestadoras de serviços regulados pelo poder público federal, o legislador restringiu o alcance do decreto às empresas que prestam serviços sujeitos à regulação, ou seja, atividades que incluem telefonia, serviços bancários, planos de saúde e outros. Estão, portanto, desobrigadas das exigências da Lei dos SACs as empresas cujas atividades não são reguladas, mesmo que seus SACs sejam tão ou mais importantes para o consumidor, tais como os de estabelecimentos comerciais e fornecedores de produtos em geral.
Porém, isso não significa que a Lei dos SACs não atingirá indiretamente esses estabelecimentos. É de esperar que consumidores e entidades que defendem seus direitos passem a interpretar que os padrões de atendimento dos call centers de serviços regulados devam ser também aplicados aos SACs de outros tipos de serviço, pois parte desses padrões já está prevista em nossa legislação consumerista. É preciso, no entanto, tomar cuidado com essa generalização.
Em alguns casos, como nas indústrias do software e de informática, as conseqüências de uma interpretação errônea seriam catastróficas. A aplicação indiscriminada das normas do Decreto nº 6.523 a serviços de suporte telefônico de informática causaria muito mais transtornos que soluções. E nesse diapasão, poderá até mesmo voltar à tona a sempre polêmica discussão sobre se certos clientes, inclusive os das empresas reguladas, atendem ou não os requisitos legais para se intitularem consumidores e, assim, exigirem os referidos padrões de suporte telefônico. Além disso, ao definir um prazo mínimo para a solução de problemas de cinco dias úteis, bem como exigir que todos os SACs tenham a obrigatoriedade de cancelar imediatamente a prestação de qualquer serviço, o legislador gerará polêmica. Afinal, as características especiais de certos serviços podem não permitir seu cancelamento sumário, e alguns problemas podem não ter uma solução simples. E, em que pese ser louvável o interesse de inserir na Lei dos SACs medidas visando proteger as informações privadas dos consumidores, faltou maior coragem para enfrentar de vez a questão da privacidade e proteção de dados pessoais no Brasil. Nosso arcabouço jurídico ainda está engatinhando no que tange à proteção das informações privadas dos cidadãos brasileiros.
Em linhas gerais, certamente a Lei dos SACs causará um enorme impacto para o mercado de telesserviços como um todo, pois o processo de adequação à nova regra exigirá investimentos em infra-estrutura, sistemas e na capacitação de profissionais. E tudo indica que o decreto será utilizado de modo bastante amplo pelos órgãos de defesa do consumidor, como uma ferramenta para um novo parâmetro de qualidade no atendimento - com um efeito cascata de mudanças e até de problemas jurídicos. Consumidores que se sentirem mal atendidos pelos SACs certamente irão registrar sua reclamação junto aos órgãos de proteção e/ou perante a agência reguladora do serviço reclamado, e pleitearão reparação por eventuais danos provocados por um atendimento falho. Ao mesmo tempo, certamente haverá conflitos entre empresas que atuam no mercado de SACs e call centers terceirizados e seus clientes, nos casos em que o atendimento for deficiente e gerar uma indenização judicial. A definição das responsabilidades terá que ser determinada pelas partes, contratualmente.
Evidentemente que há muito que se aprimorar nessa legislação, eis que a regulamentação ainda não é perfeita e sua interpretação dependerá ainda muito da discricionaridade do Judiciário ao analisar os casos práticos. Esperamos que as primeiras decisões sobre a nova Lei dos SACs levem em conta o objetivo principal do Código de Defesa do Consumidor, que é o de promover um justo equilíbrio nas relações de consumo.
Dirceu Santa Rosa é advogado e sócio do escritório Veirano Advogados